Editorial – O que Rondônia precisa aprender urgentemente com os massacres de Columbine, Realengo e Suzano?


Poder público precisa repensar urgentemente o modelo de segurança nas escolas tanto no estado quanto nos municípios

Porto Velho, RO – No decorrer desta semana houve duas grandes chacinas que repercutiram no Brasil e no mundo.

A primeira, ocorrida na última quarta-feira (13), é o massacre de Suzano; a outra foi em Nova Zelândia, no dia seguinte, quando o terrorista australiano de extrema-direita Brenton Harrison Tarrant, de 28 anos, invadiu duas mesquitas e transmitiu ao vivo a execução de 49 pessoas.

Pelo menos 48 sobreviventes ficaram feridos, 20 deles em estado grave.


Terrorista australiano Brenton Harrison Tarrant matou 49 pessoas em mesquitas na Nova Zelândia

O motivo? Tarrant é contrário à imigração.

Ambos os casos são tragédias intangíveis cujos aspectos violentos desencadeados de maneira fria e banal se ligam umbilicalmente, ainda que as razões sejam dissonantes em suas respectivas gêneses delitivas.

Em Rondônia – frise-se – não há registros significativos relacionados a crimes de ódio étnico-religioso, portanto cabe a nós contextualizarmos a sanguinolenta incursão estudantil desencadeada no interior de São Paulo à realidade rondoniense.  

O massacre de Suzano foi perpetrado por um adolescente de 17 e outro homem de 25 anos, que entraram facilmente nas dependências da Escola Estadual Raul Brasil matando cinco alunos e duas funcionárias do educandário.


Câmera de viligância capta o momento em que adolescente inicia a matança na escola Raul Brasil

Logo em seguida, cumprindo as diretrizes de um pacto de sangue, o adolescente executou o parceiro e se matou. Antes de entrar na escola, a dupla ainda assassinou o tio do terrorista juvenil. Ao todo, 10 pessoas morreram de maneira trágica e ainda inexplicável.

A situação remonta a outro massacre brasileiro, o de Realengo, onde, em abril de 2011, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, assassinou 12 alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro. Ele também se matou.


Wellington Menezes de Oliveira matou 12 alunos em 2011. Ele se matou em seguida

A origem desse comportamento repetitivo está ligada a Columbine, o embrião dos morticínios escolares. Em 1999, Eric Harris e Dylan Klebold invadiram a Columbine High School, em Columbine, uma área não incorporada de Jefferson County, no Colorado, Estados Unidos, matando 12 alunos e um professor. Ao final da empreitada, a dupla se suicidou.

A glamourização do ato aprimorou o romantismo sobre a violência em massa e o fascínio de mentes perturbadas a partir dos passos trôpegos de Harris e Klebold, vistos até hoje por cabeças transtornadas como mártires da causa empunhada por vítimas de bullying: aqueles que ousaram retribuir as moléstias sofridas à altura.  E essa admiração conservada por um grupo pequeno contrasta à abominação da maioria, mas, mesmo assim, contaminou o Planeta de maneira irrefreável.

Primeiramente, é importante fugir às digressões sobre aspectos políticos advindos dessas tragédias, portanto o foco deste editorial não está ligado ao debate sobre relaxamento das exigências burocráticas para a posse de arma nem à provável liberação do porte.

Também não há intenção de buscar responsáveis, diretos ou indiretos, principalmente porque o tema exige cuidado. A raiz, ou seja, a natureza dessas questões é muito mais profunda, logo, qualquer consideração rasa e meramente especulativa torna-se passível de absorção igualmente superficial por parte do leitor.

Resumindo, fomentar a desinformação não está no rol de intenções – e isso tem de ficar claro desde o início.


Eric Harris e Dylan Klebold: autores do Massacre de Columbine

A questão é simples: o que Rondônia pode – e deve – aprender com essas tragédias? Mais por sorte do que pelo juízo dos governantes, o estado nunca se deparou com casos de assassinato em massa de crianças e adolescentes nas escolas.

Mas desde que a vigilância presencial – armada ou não – foi retirada dos educandários durante a administração do ex-governador Confúcio Moura dando lugar exclusivo ao monitoramento eletrônico através das câmeras de circuito interno, inúmeros diretores, professores, demais funcionários e principalmente alunos passaram a sofrer com furtos rotineiros.

Mais recentemente, a gestão Hildon Chaves (PSDB) repetiu o padrão nas escolas municipais de Porto Velho, mas, adiante, acabou se sensibilizando com a causa dos vigilantes e voltou atrás. 

O medo, então, tornou-se a sombra dessas pessoas desprotegidas.

E é bom lembrar que o furto, embora esteja distante de um homicídio, escancara a porta das possibilidades, comprovando que, a partir de um crime pouco significativo em termos de repercussão, poderia haver, obviamente, uma abrupta evolução para o tráfico de drogas, assassinatos, latrocínios e por aí vai.

A câmera de vigilância serve como testemunha ocular de crimes já praticados, porquanto está comprovado que não ostenta caráter inibidor de ilícitos.

Com criminosos cada vez mais ousados e narcisistas, o monitoramento é capaz de servir aos intentos mais egocêntricos desses bandidos expondo “habilidades” tanto à sociedade quanto aos parceiros de gatunices.

Então, colocando os pingos nos is, é um método falho que, sozinho, não serve como prevenção e muitas vezes sequer para remediar. Mesmo que fosse o caso, reiterando, não é!, o máximo que o poder público poderia fazer seria contribuir com as investigações para que os autores dos furtos fossem eventualmente punidos. 

Logo, a câmera está lá para proteger o patrimônio, não as pessoas. Lembrando que uma televisão pode ser reposta, claro, mas a vida dos diretores, professores e alunos, não.


Em menos de um ano, escola Padre Mário Castagna foi invadida 25 vezes

Dois exemplos práticos: em 2015, bandidos invadiram pelo menos 25 vezes – em pouco mais de um ano – as dependências da Escola Estadual Padre Mário Castagna, localizada na Av. Campos Sales, na Zona Sul de Porto Velho.

Já a Escola Estadual Eloísa Bentes, situada à Zona Leste da Capital, foi arrombada e saqueada em 23 oportunidades. As duas instituições se tornaram alvos fáceis para os criminosos assim que o ex-governador Confúcio Moura extinguiu o contrato de vigilância presencial.

No último caso, o ex-diretor da escola, Joelson Chaves Queiroz, chegou a dormir no colégio ao longo de quatro meses para evitar novos ataques.


Em 2015, Joelson Chaves, ex-diretor, mostrou a cozinha da escola Eloísa Bentes após mais uma invasão de criminosos

À época, a Secretaria de Educação, a Seduc, alegava que era melhor repor os materiais furtados do que custear a vigilância: palavras do ex-diretor.

Quantas vezes a secretaria repôs o que foi levado? Uma única vez!

De maneira idêntica, uma lista com 37 escolas estaduais situadas em Porto Velho – entre elas, a Mário Castagna em 7º lugar, e a Eloísa Bentes, em 30º –  foi apresentada à Seduc. São as instituições da Capital com maior incidência de furto, vandalismo e/ou localizadas em áreas com índices elevados de criminalidade.


Em novembro de 2018, 37 escolas estaduais de Porto Velho "pediram socorro" à Seduc

À ocasião, foi solicitado à Secretaria de Educação que averiguasse a possibilidade de contratação de vigilância presencial nas escolas apontadas, considerando os vários casos de furtos comprovados através de Boletins de Ocorrência.

O atual secretário de Educação Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, nomeado pelo governador Coronel Marcos Rocha (PSL), informou ao Rondônia Dinâmica que a pasta já estuda novos métodos de segurança nas escolas levando em conta, além do patrimônio, a vida de professores e estudantes.


Suamy Vivecananda é o novo secretário de Educação na gestão Marcos Rocha

 “Estamos estudando uma versão de patrulhas escolares dinamizadas que deve congregar a segurança eletrônica, alguns pontos de segurança armada e ações militares ostensivas conectadas à vigilância das câmeras”, salientou.


Paulo Tico, presidente do SINTESV/RO

Na visão de Paulo Tico, presidente do Sindicato dos Vigilantes do Estado de Rondônia (SINTESV/RO), a retirada da vigilância presencial das escolas estaduais contribuiu com a ascendência dos índices de criminalidade nos colégios. Além dos furtos, segundo ele, ainda há situações de aumento da prostituição e do tráfico de drogas.

“A retirada dos vigilantes e a entrada do monitoramento eletrônico disparou os índices de violência nas escolas de maneira terrível. Há escolas que são assaltadas durante os 30 dias do mês. Todos os dias as escolas são saqueadas. Aumentou a prostituição, o tráfico de drogas, e a polícia, sabemos bem, infelizmente não dá conta de fazer o patrulhamento eficaz no entorno dos colégios. Está provado que o vigilante inibe as ações criminosas em todos os sentidos. Não existe economia alguma. Como se indeniza uma vida humana? Os gestores não estão preocupados com isso. Querem economizar a todo custo, e dane-se o resto!”.

Já o professor universitário Vinícius Miguel, advogado que concorreu ao governo de Rondônia no ano passado, entende que o tema não é simples. Sobre o assunto, ele prestou consultoria para o Sindicato dos Vigilantes.

“Vigilantes armados atraem assaltantes para roubar armas. Entretanto, foi um erro gritante o governo de Rondônia substituir os profissionais pelas câmeras, exclusivamente”.


O professor universitário Vinícius Miguel

E há solução? Ele entende que sim.

 “Sim [há solução], se amplas medidas forem tomadas. Primeiro, com o retorno dos vigilantes às escolas; depois, melhor treinamento concedido aos profissionais; e uso de armas somente em locais específicos. Nos casos em que haja necessidade de o vigilante andar armado é preciso adotar o modelo de biombo, onde o profissional deve ficar isolado e inacessível”.

Há outros pontos defendidos, como associar o sistema de vigilantes presenciais com o monitoramento real através do circuito fechado de televisão, além de implementar a cultura de paz com mediação, justiça restaurativa e comunicação não violenta.

As campanhas com relação ao bullying e ao sex porn revange (pornografia de vingança), fatores que deflagram adoecimento mental, ajudariam a coibir os problemas quando o assunto é a violência praticada pelos próprios alunos.

No campo macro, ou seja, num contexto amplo, poderíamos nos espelhar em países como Japão, Austrália e Inglaterra que, por conta do controle de armas, não registram histórico de massacres em suas instituições de ensino.


Controle de armas em países como Japão, Austrália e Inglaterra ajudam a coibir massacres em escolas

As situações reais ocorridas em Rondônia denotam os riscos de conservar os padrões de segurança nas escolas. E esse é um debate que precisa ser acompanhado pela sociedade, especialmente pelos pais dos alunos.

Por enquanto, os números estão relacionados a crimes como furto, mas, através das informações expostas neste artigo, distantes do alarmismo sensacionalista habitual a percorrer as redes sociais, é possível compreender que a vulnerabilidade dessas instituições poderia dar vazão a atrocidades como as de Suzano, Realengo e Columbine.

É muito fácil entrar em uma escola para fazer o que quer que seja. 

Diante desse horizonte desenha-se o batidíssimo adágio popular, talvez o maior entre os clichês: é melhor prevenir do que remediar. Acrescente-se, então, a sentença a seguir: especialmente quando estamos falando de vidas humanas.

Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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