Caso Jéssica Hernandes – Os acusados. Os carrascos. O juiz. O ser humano. O inocentado. As reviravoltas

Caso Jéssica Hernandes – Os acusados. Os carrascos. O juiz. O ser humano. O inocentado. As reviravoltas

Jéssica Hernandes e Ismael da Silva / Imagem: Reprodução SICtv

Observação: a publicação não faz juízo de valor sobre culpa ou inocência de qualquer um dos envolvidos. Busca, na realidade, causar reflexão sobre a responsabilidade do Poder Judiciário às vidas sob seu crivo

Porto Velho, RO – Temerosíssimo endeusar, às vezes mesmo elogiar ligeiramente, qualquer pessoa pública a cumprir seu papel institucional corretamente levando em conta, principalmente, o momento despolitizado recheado de munições idiossincráticas armazenadas no paiol dos apedêutas conflitantes.

É bom frisar, antes de me aprofundar no que quero tratar neste artigo, que minhas considerações não dizem respeito a culpados ou inocentes apenas: é, para todos os efeitos, um manifesto claro sobre precipitação, acerca da conveniência coletiva que exige o empalamento alheio para saciar necessidade urgente de segurança, proteção e falhas nas respostas estatais aos flagelos sociais que nos afligem.

Mesmo correndo o risco de promover um brinde à Guerra dos Binários, é preciso fazer ponderações sobre uma decisão judicial, no mínimo, digamos assim, diferente – e primordial. Isto, diga-se de passagem, tamanho desastre que poderia causar tanto por omissão quanto em decorrência de quaisquer eventuais diretrizes equivocadas agisse o magistrado de outra forma, o que não ocorreu.


O ideal platônico no Planeta Imaginário do dever ser exige nem inocentes presos e muito menos culpados soltos. Como o mundo não é preto no branco e é sempre difícil encaixar o retângulo no espaço do triângulo, a convenção óbvia é a de que preferível absolver um culpado a condenar inocentes.

Conversamos todos os dias a respeito de algemas, grades, instituições, togas, malhetes, Estado, porém nos esquecemos da mola propulsora essencial para que todas as estruturas citadas funcionem – ou entrem de vez em colapso de forma harmônica em seus erros e acertos: o ser humano.

E quando falo em erros, reforço a tendência magnética de pairar efeito dominó desastroso sobre coisas que começam e terminam imprecisas, avançando sem certezas mínimas e muito menos absolutas.

Atrás da sentença de vinte e nove páginas que pôs em liberdade Ismael José da Silva, principal acusado de matar cruelmente – foram mais de treze facadas – a namorada Jéssica Moreira Hernandes, adolescente de apenas 17 anos, há um homem corajoso, é preciso ressaltar e oportunamente – ainda neste texto – explicarei por quê.


Entenda
Reviravolta: juiz manda soltar acusado de matar adolescente em Cerejeiras; primo vai a júri 


Para relembrar: o crime, ocorrido em abril deste ano, chocou o Cone Sul inicialmente, onde a tragédia ocorrera, e, adiante, pelos rincões em que fora noticiado, abalou as estruturas emocionais de quem quer que ouvisse ou assistisse aos detalhes da tramoia.

Não poderia ser diferente...

Além de Ismael da Silva, caiu no colo de Jaires Taves Barreto, da 2ª Vara Criminal de Cerejeiras, a tarefa de avaliar as provas apresentadas pelas investigações contra Diego de Sá Parente.

Diego de Sá, cujo sugestivo último sobrenome escancara despretensiosamente vínculo familiar com o primo Ismael José, dedurou o parente descrevendo todas as características do brutal assassinato, colocando-o na cena do crime como suposto executor, mentor intelectual e também responsável pela desova.

No fim das contas, Diego Parente tentou incriminar o companheiro da vítima, revelando inclusive uma história envolvendo espécie de “Teste de Fidelidade”.

O representante do Poder Judiciário, em vez de fazer o mais fácil e pronunciar a ambos, se esquivando do brado público a exigir cabeças rolando imediatamente, e ainda deixando o mérito para o Júri, agiu como verdadeiro e sublime arquétipo daquilo que deveríamos experimentar como Justiça.

Taves Barreto não defendeu. Taves Barreto não atacou. Taves Barreto foi o que provavelmente as pessoas não esperassem dele num caso permeado pelo incêndio do clamor popular: apenas, e, sobretudo, um juiz de Direito.

De suas mãos saíram ensinamentos didáticos rompidos às entrelinhas informando que o papel da Justiça é ser justa: se não fora convencido e sequer teve dúvidas nem mesmo poderia escorar-se ao princípio in dubio pro societate (na dúvida, favoreça a sociedade) para justificar a pronúncia do companheiro de Jéssica; logo, convicto da não participação de Ismael no intento criminoso, absolveu sem titubear.

Diferentemente do normal, apreciou, ponto a ponto, considerações do Ministério Público (MP/RO) muito bem corroboradas pelas investigações da Polícia Civil, trabalho este, inclusive, exaltado na sentença que livrou Silva.

Também se debruçou às ponderações dos advogados dos réus, analisando friamente o que tinham a dizer, desentrelaçando alguns dos inúmeros nós atados no enredo – e ainda há muitos a serem desamarrados.

Mesmo com todo arcabouço probatório reunido, os indícios deixaram claro, de maneira cristalina, como bem anotou o juiz, que não havia como o namorado de Jéssica ter praticado o assassinato, por isso expediu também o alvará de soltura.

O MP/RO recorreu, como informou exclusivamente o Rondônia Dinâmica, mas, por ora, as evidências processuais contidas na sentença continuam depondo a favor do inocentado. Mesmo que o promotor responsável pelo caso diga que não e Ismael ainda possa sentar no banco dos réus, sendo julgado e condenado, causando a segunda reviravolta.

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Independentemente de crime e castigo, a lição aprendida com o desenrolar de ato tão bárbaro tem a ver com os tempos de exaltação a heróis forjados em decorrência de nossa carência. Carência esta traduzida na eterna busca sem respostas por características ínfimas como honestidade, caráter e coerência.


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Portanto, faz-se necessária menção honrosa ao togado que optou pelo caminho mais difícil para fazer justiça em detrimento às exigências dos justiceiros, praticantes incessantes do justiçamento – carrascos civis a retorcer pescoços com as próprias mãos.

Ao sensível Jaires Taves Barreto, que, neste caso específico, muito além das incumbências impostas pelas vestes talares, foi, mais uma vez, aquilo que não esperavam dele: um ser humano.

Autor / Fonte: Vinicius Canova

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